Apresento à todos vocês alguns dos estudos realizados por estudantes em busca do Título de Mestrado em vários cursos de universidades de nosso País, onde os estudos se relacionam com a atividade de tatuagem.
PONTIFÍCIA
UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE
DIREITO
PROGRAMA DE
PÓS–GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS
MESTRADO EM
CIÊNCIAS CRIMINAIS
VIOLÊNCIA NA PELE: CONSIDERAÇÕES MÉDICAS E LEGAIS NA
TATUAGEM
Dissertação
de Mestrado apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Ciências Criminais – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre
2007
RESUMO
A
presente dissertação teve como objeto de estudo a tatuagem, dando ênfase aos aspectos
de estigmatização e de possíveis prejuízos advindos de discriminação, percebidos
pelos tatuados. Iniciou-se por uma pesquisa bibliográfica abrangente da legislação
vigente e proposta no Brasil, e de uma revisão do Direito Comparado, incluindo
uma revisão da legislação da Inglaterra, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Portugal,
Irlanda, Luxemburgo e Argentina.
Além
dos aspectos jurídicos, buscou-se uma aproximação interdisciplinar do tema e,
para tanto, a revisão foi composta de uma abordagem acerca da dor e da pele,
sob o prisma psicológico e biomédico. Fez-se, também, uma breve revisão de
literatura, a respeito dos papéis da tatuagem, ao longo da história, o papel do
corpo e seu culto na sociedade ocidental atual, sendo formuladas hipóteses para
a origem da estigmatização da tatuagem.
Buscou-se
verificar, entre outros itens, a existência da influência da mídia e do grupo
social, nos processos relacionados ao ato de tatuar-se. Foi realizada uma
pesquisa de campo, fora de asilos psiquiátricos e instituições prisionais,
totalizando 42 entrevistados.
A
pesquisa envolveu um grupo composto, na maioria, por mulheres, com média de 28
anos, apresentando de duas a quatro tatuagens, de escolaridade superior
completa.
Os resultados obtidos junto a essa amostra apontam que os tatuados
não vêem a tatuagem como uma forma de resistência cultural; acham que é uma
forma de se expressar, de se embelezar e disfarçar um sinal que não gostam em
si; afirmam que não acham importante a opinião dos outros sobre tatuagem; dizem
que nunca se sentiram discriminados ou esconderam sua tatuagem, tampouco
pensaram em retirá-la; acreditam que a tatuagem seja um atrativo sexual;
deixariam de fazê-la, se ela lhes trouxesse prejuízo profissional.
Também
afirmam não terem usado álcool, quando fizeram o desenho; não sendo usuários habituais
de drogas. A análise conjunta dos dados, contudo, mostrou que os tatuados fazem
seus desenhos em locais do corpo que possam ser escondidos pelas roupas, para evitar
prejuízos, principalmente, no âmbito profissional.
Ficou evidenciada a
existência de discriminação aos portadores de tatuagens, quando esses são
candidatos a concursos públicos - em especial para cargos militares -, bem como
a preocupação dos legisladores em evitar tais fatos, expressa em projetos de
lei estaduais e nacionais, atualmente em tramitação.
Verificou-se, por fim, a
ausência de legislação, em nível nacional, que normatize a aplicação e uso de
tatuagens.
Área de
Conhecimento: Criminologia e Controle Social.
Palavras-chave:
Tatuagem. Estigma. Violência. Corpo. Pele.
INTRODUÇÃO
A
presente dissertação trata do tema das tatuagens e da construção de estigmas, na
identificação dos sujeitos em sociedade, a partir da inscrição de marcas no
corpo. Parte do reconhecimento de que o grupo de pessoas tatuadas vem crescendo
a cada dia, o que indica a relevância da abordagem, devido às suas múltiplas
implicações. Tem como objetivo compreender as motivações e percepções dos
tatuados acerca do uso de um desenho inscrito definitivamente em sua pele, bem
como as implicações sociais e jurídicas, no sentido de estigmatização desses
sujeitos.
A
prática da ornamentação da pele é um hábito tão antigo quanto a civilização, tendo
sido encontrada em múmias do período entre 2.000 a 4.000 A.C. Não se sabe ao certo
sua origem. Alguns autores acreditam que ela possa ter surgido em várias partes
do globo, de forma independente; outros crêem que ela tenha sido difundida pelo
mundo, a partir das grandes navegações dos países europeus. Pelo que se sabe, a
tatuagem era uma prática desconhecida, ou, antes, há muito esquecida pela
cultura ocidental - e aqui lemos Europa Ocidental, - até o retorno do navegador
inglês, James Cook, de suas explorações aos chamados Mares do Sul, atual
Polinésia, nos idos de 1769.
Nos
Estados Unidos (EUA) e Europa, há mais de 100 milhões de pessoas com tatuagens.
Acredita-se que 5 a 10% da população, em geral, dos Estados Membros da União Europeia
tenham uma tatuagem ou piercing. Há 4.000 tatuadores no Reino Unido,
produzindo cerca de um milhão de tatuagens por ano. Em 1995, entre um grupo estudado
de 1.762 estudantes adolescentes americanos, mais de 9% tinham uma tatuagem, e
o mais jovem, ao fazê-la, tinha apenas oito anos. Na Itália, por exemplo, estima-se
cerca de um milhão de tatuados. Pesquisa de 2002 mostrou que 7,2% dos jovens e
5,7% das jovens têm tatuagens. Nos EUA, entre 20 e 40 milhões e, no Reino Unido,
os tatuados representam cerca de 8% da população ou cerca de cinco milhões de pessoas.
Assim,
desde a sua obscura origem, aos seus variados usos, ao longo da história, como
parte de ritual, de inscrição de marca punitiva ou de identificação grupal, até
a generalização do uso na sociedade ocidental contemporânea, muitas têm sido as
funções da tatuagem. Apesar de sua grande difusão na atualidade, esse tipo de
inscrição na pele não parece ter perdido totalmente o caráter de estigma.
Dessa
forma, o fenômeno crescente da tatuagem vem representando um notável objeto de
estudo, por parte do Direito, da Antropologia, da Medicina, da Sociologia, entre
outras áreas suscetíveis de influência ao seu uso. O tema interessa
sobremaneira ao Direito, uma vez que os indivíduos tatuados são alvo de
discriminação e preconceito. Diz respeito, em especial, ao Direito Penal, que
tem estudado os aspectos que levam um indivíduo a ser estigmatizado, bem como os
efeitos desta estigmatização, no campo jurídico.
Diante
desses questionamentos, o presente estudo vem colher o discurso do tatuado, sua
história, seu conhecimento e suas vivências em relação ao tema, bem como entender
sua percepção acerca da tatuagem na sociedade atual.
Há dificuldade de se obter
essas respostas, devido à escassez de estudos aprofundados no ambiente mais comum,
fora das prisões, dos asilos psiquiátricos e dos centros de recuperação de dependentes
de drogas, onde, provavelmente, é mais fácil encontrar as relações inquietantes
entre a tatuagem e estilos de vida antissociais particulares.
Assim,
diante da escassez de trabalhos junto a pessoas não institucionalizadas, tomou
forma a idéia de entrevistar indivíduos tatuados com esse perfil e descobrir
quais os motivos que os haviam levado a realizar suas tatuagens, bem como, o
que eles pensavam da tatuagem.
As questões provocadoras do estudo foram: “Os
tatuados são realmente pessoas diferentes?”, “Eles se sentem discriminados, por
usarem a tatuagem?”, “Eles se importam com a opinião dos outros?”, “Acreditam
em um papel de rebeldia da tatuagem?”, “Sentem a pressão da moda ou da mídia?”,
“São usuários de drogas?”.
Neste
trabalho, é abordada a origem da tatuagem e do termo tattoo, bem como as
funções da tatuagem, ao longo do tempo, como marca tribal, seu caráter de
punição, seu uso em guerras e fora delas, até o tempo hodierno.
Também é
apresentada uma discussão acerca do corpo, ao longo da história, bem como o
papel da religião, na sua abordagem, e do massificante culto ao corpo
“perfeito”, presente em nossa sociedade.
A
dissertação prevê, ainda, uma breve passagem pelos aspectos biomédicos e psicológicos,
envolvendo questões a respeito da pele e da dor. A revisão a respeito das múltiplas
dimensões da tatuagem - quais sejam, os tipos, desenhos e estilos, o estigma e a
parte prática de produção e remoção das marcas - é apresentada por meio de
relatos da literatura. Os conceitos de autonomia e direitos de personalidade e
a exposição da legislação atual no Brasil e em alguns outros países, assim como
uma abordagem acerca da discriminação, preconceito e sua relação com a
violência são aspectos que finalizam.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A
tatuagem como fenômeno atávico e difuso suscita e permite a abordagem através
de diversos saberes, como o Direito, a Medicina, a Psiquiatria, Psicologia e Antropologia.
Em
especial, sua utilização por grupos específicos como prisioneiros e pacientes psiquiátricos
a manteve associada a um caráter de estigma ao longo da sua história.
Desta
forma, a presença de uma tatuagem pode ser vista como fator descriminalizador e,
portanto, como uma possível fonte de estigma e violência insidiosa aos seus
portadores.
Por
tudo isto, esta dissertação teve como objetivo colher o discurso do tatuado e sua
percepção sobre diversos aspectos ligados ao tema, dando ênfase para a
percepção de discriminação.
Os principais resultados da pesquisa de campo, a partir da análise das 42 entrevistas, evidenciaram, principalmente, que ainda existe a estigmatização dos tatuados e, também, demonstraram que parece haver uma falta de percepção ou, mesmo, uma negação desse fato entre eles.
A
contradição foi expressa pelos tatuados, entre as questões objetivas relacionadas
à discriminação e algumas mais gerais, que diziam respeito à prática da produção
da tatuagem – como a localização, por exemplo. O que se percebe, então, é que
existe uma diferença entre o discurso do tatuado e os seus atos, quanto ao
contexto social.
Nesta
pesquisa, verificou-se também uma importante mudança no significado da prática
para o tatuado. Mesmo que entre alguns poucos o uso da tatuagem permaneça como
sinal de rebeldia, os sujeitos pesquisados reconheceram como motivo para se tatuar
a produção de um adorno, uma forma de expressão.
As
considerações jurídicas apresentadas no trabalho apontam, também, a necessidade
premente de uma legislação específica, que normatize qual deve ser a formação
dos tatuadores, como devem ser os estúdios de tatuagem, qual a procedência das
tintas e demais materiais empregados, bem como a necessidade de pesquisa dos possíveis
riscos trazidos quando da remoção dos pigmentos através do uso de tecnologias
médicas, como os lasers.
Cumpre
referir, neste tocante, a existência de diversos projetos de lei em tramitação
junto às casas legislativas, seja no âmbito nacional como estadual, cujo objetivo,
dentre outros, é evitar a manutenção da discriminação e de prejuízos injustificáveis
aos portadores de tatuagens, como evidenciado no caso dos concursos públicos.
Para
um futuro trabalho, seria interessante a aplicação de um questionário abordando
questões levantadas, como a pesquisa mais específica sobre os conhecimentos dos
tatuados dos riscos possíveis à saúde, como a prevalência de doenças
infecciosas e psiquiátricas associadas e sobre a remoção. Outra sugestão seria
a obtenção de uma amostra mais aleatória que inclua indivíduos de outros grupos
sociais, bem como, a aplicação a um maior número de pessoas.
Ao
traçar um perfil do portador de tatuagens, em um grupo não institucionalizado,
como preso e interno de clínicas de tratamento psiquiátrico, o trabalho buscou
contribuir para o debate sobre a temática que envolve a tatuagem, buscando
desmistificar o estigma historicamente associado a esse grupo.
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